quarta-feira, 28 de abril de 2010

NÃO SEJA LEVADO PELA MORTE


Dito popular: Vão-se os dedos ficam os anéis.

Ontem pela manhã, enquanto transladava pela cidade refletia e articulava mentalmente sobre um tema para postagem. Em minha mente ainda estava bem vivo linhas de um texto de Freud a respeito de nossa posição e concepção frente a morte, que havia lido e estudado nos últimos dias.

Na forma que lhe é peculiar Freud vai até o homem primitivo para teorizar sobre finitude e a imortalidade. Abstive-me de minhas crenças para acompanhar a elaboração freudiana. Neste texto, Freud trata de que o Homem, enquanto um ser primitivo, era o mais cruel de todos os animais. Capaz de matar seu ‘semelhante’ sem que isso lhe impetrasse qualquer culpa. Falamos aqui dos primórdios da existência do homem. Freud elabora sua teoria no momento em que a I Guerra Mundial eclode na Europa, tendo seus dois filhos a servir como soldados. Freud vai então buscar nas raízes primitivas a irracionalidade de matar outro ser humano, em que na Guerra é extinta a culpabilidade por tal ato, não conferindo a quem o pratica, como assassino.
O homem primitivo, segundo Freud, vai ter o primeiro contato com a morte como real finitude no momento em que ela ocorre em um ‘outro’ com o qual dispunha laços afetivos.

O que antes o homem primitivo ‘provocava’ ao estranho que se interpunha em seu caminho e sem o menor escrúpulo ele o aniquilava, agora, em seu ente querido conota-lhe a perda, então definitiva. Freud irá ainda elaborar e dissertar sobre o surgimento cultural dos ‘espíritos’, bons e maus, conferindo justamente esse ‘nascimento’ ao momento em que o corpo jaze inanimado. Pela não aceitação do fim, tanto do outro como principalmente de si mesmo, o homem concebe que há então um corpo e uma alma, que se separa do corpo quando esse chega ao fim de sua existência física, sendo a alma eterna.

Nietzsche atribui a uma força instintual ao homem em que denomina vontade de potência, que é uma força que move o homem a querer “ser mais” (não entenda aqui no sentido pejorativo). Trata-se de uma vontade de ser que vem do poder, por exemplo, poder dormir 15 minutos a mais hoje...

Esse preâmbulo extenso, pergunta-se você amigo leitor, a que se deve?
O que posicionou o homem a uma significação da morte como perda foi o afeto. O ‘laço’ emocional que prende uma pessoa a alguém ou algo.

Não quero tratar aqui de teses acadêmicas, mas... transparecer como experiências vividas, sobre prismas (que não apenas estes que lhes elucido) outros resignificam ‘velhos’ ditos populares.
A civilização segue em uma rota que visa distanciar cada vez mais o homem de suas origens primitivas... o que os civilizados também chamam de selvagens.

Dentro das diversas culturas civilizadas, o homem possui uma forma de cultuar o passado, as suas perdas. Sejam elas pessoas ou bens matérias. Para os bens materiais o homem consegue ludibriar... se tomam-lhe o que lhe pertence sem sua permissão é furto, ou roubo. A isso o homem concebeu o seguro, que garante a reposição do que foi perdido. Essa formula também pode ser aplicada a algum infortúnio natural como perda por incêndio, por exemplo. Essa formula funcionou, tanto que a transferiram para pessoas também: o Seguro de Vida. Se elas morrem, acidentam-se um determinado valor é ‘pago’ para compensar a perda.

No entanto há dois aspectos: o primeiro é que há pessoas que valem mais que outras! (?!). segundo, é possível um valor compensar a perda de alguém que não se deseja perder? Como a um filho, por exemplo (as pessoas fazem seguro de vida de adultos, mas um pai fazer seguro de seu filho de 7 anos, por exemplo, contra falecimento!).

Não, o seguro parece não ser tão ético...e também não é solução. A tecnologia veio corroborar com uma parte das questões que são resultados da perda. A fotografia, o vídeo, a gravação de áudio...são formas ‘tecnológicas’ de ‘manter’ vivo perto de nós aquele que se foi, juntamente com algum pertence pessoal.

A morte é a perda da vida e até o momento é inevitável. Mas há muitas mortes que não terminam com a vida física, do ponto de vista como fim. Há o fim de um emprego, de uma empresa, de uma marca, de um produto, de um bem... mas o fim que mais nos atinge justamente por não ser o ‘inevitável’ é o fim de relações pessoais. Sejam elas de amizade ou de relacionamento amoroso.

O fim da existência de um organismo pode ‘ser explicado’ pela fatalidade de um acidente, do acometimento por uma doença, ou pelo decurso de uma longa vida. Mas o fim de alguém para nós que não é compelido por uma força que está acima de nós, mas pela razão humana justamente nos parece sem razão. Inaceitável para um enquanto para o outro já é incabível.

Vão se os dedos ficam-se os anéis.

Para o que se foi, o horizonte de um novo amanhã parece ser a conseqüência lógica de sua decisão, permitindo seguir aureado de sua convicção.

Para o que ficou, o horizonte lhe foi tirado. Não há amanhã. Ancora-se na imagem do ontem porque acredita ser o que lhe resta. A memória é cultuada. Espremida nas entrâncias. Busca-se no mais profundo o que possa ser capaz de produzir o impossível: restituir a presença do que ‘se foi’.

Os mais diversos desfechos podem ser roteirizados daqui para frente.
Não existem formulas para as questões humanas, por exemplo: de como educar seu filho ou ser feliz no casamento. Mas alguns roteiros podem ser seguidos de forma interativa de acordo com cada pessoa de forma a minimizar ou contornar situações indesejáveis e assim escalar a montanha do ‘Nirvana’.
Na alguém que gostamos morre para nós, é preciso estruturar esse afeto que não mais pode ser alimentado por essa pessoa. Ela ‘morreu’, não? ... a diferença entre torná-la sua amiga e um fantasma está no fato de ‘aceitar a morte’. Não será desrespeito ‘eliminar’ as coisas do ‘falecido’ da sua frente, do seu foco de visão, pelo menos. Guarde-as, se desejar. Velas, incensos, lágrimas... nada disso irá trazer o outro de volta, não importa o ritual que faça. A morte promulga a um nascimento. Encare a morte do outro como real e promova o seu próprio nascimento. Erga o rosto e admire o horizonte que está surgindo e o universo de possibilidades.

Ame aos vivos, eles precisam do seu afeto e de sua atenção mais do que os mortos. Não diga que não há ninguém, porque há você. Você deve estar no centro de sua vida e isso não é egocentrismo nem egoísmo.
Foram-se os dedos e ficaram os anéis? Use-os se desejar... deixem que brilhem, mas não que ofusquem a você, pois nesse caso, ponha-os na gaveta.

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